Quando fui um Sem Abrigo...
Uma Noite como
sem
abrigo
Acordei
cedo…
Eram umas cinco e meia da manha, todos dormiam...
Ao meu lado estava um
homem deitado deve ter uns sessenta e tal anos, porque pouco durmo pela falta
de sossego, e de consciência amarga, vi que este se levantou diversas vezes
durante a noite, deve ter algum problema grave de saúde pois geme de dores
enquanto se arrasta para aquela coisa a que chamam de casa de banho, o cheiro é
horrível, são bem cerca de 300 homens e umas 100 mulheres a usar aqueles
lavabos, é simplesmente grotesco e o ambiente é de cortar á faca .
Ali encontra-se todo o tipo de gente ,desde
pessoas que perderam as suas casas, outros que saem da prisão e não têm para onde
ir, prostitutas, alcoólatras, toxicodependentes, enfim toda a podridão e mais
alguns que por coisas da vida ali foram parar, o cizento da cidade de Lisboa,
aqueles que todos dias estão ao nosso redor ,sejam eles disfarçados ou até
aqueles que muitas vezes preferimos não olhar. Emigrantes de todo lado, uns melhores outros piores uns de famílias
desconjugadas outros com historias para contar, mas, não passam disso mesmo,
historias para contar,
Antes de ir para este lugar deprimente e
aterrador já tinha ouvido falar dele e fiz sempre tudo ao meu alcance para não
ter que ir para lá, inclusive preferi os vãos de escadas durantes meses ou os
jardins da Gulbenkian ou até mesmo paragens de autocarro, mas felizmente ou
infelizmente acabei por ter que ir, a rua foi demasiado cruel para um betinho
como eu.
O frio cortava-me os pés e já não conseguia
andar…
A solidão era igual a um buraco sem fim que me
consumia.
Durante
a noite levantei a cabeça umas seis vezes …vi-o embrulhado naquele lençol gasto.
– Caluda- ouve-se de outros menos sensíveis ou
fartos de serem acordados durante a noite.
Naquele quarto existem sete beliches de ferro
enferrujado e com uma espécie de colchão que não são mais do que esponjas
cobertas com um tecido velho e poeirento.
Fico a pensar quantas pessoas já dormiram e
morreram naqueles mesmo colchões, eu próprio assisti a outros morrerem de tuberculose
e nunca ninguém mudou nada.
Num
contexto normal deveriam queimar tudo o que estivesse estado em contacto com
essa pessoa. Nunca antes me imaginei a pernoitar em tal sítio. Mas ali estou a
acordar mais cedo que todos, e ponho-me a caminho da meu objetivo.
Só
quero sair dali, só penso em sair dali, melhorar, ganhar corpo, tapar as peles, preciso de me renovar afinal
de contas já tinha feito isso e consegui enganar a tudo e todos, geralmente a
pele dos toxicodependentes fica escura e criam covas na cara assim como os
dentes apodrecem e mesmo que larguem os consumos nota-se bem que são o que são.
Tal
e qual como eu sou o que sou.
Tive
sorte, penso que Deus me ama tanto que me poupou-me dessa desfiguração dessa característica
que muitas vezes nos define, sempre mantive o meu bom especto físico, claro se
estiver limpo ou seja se não estiver a consumir.
Penso
se realmente serei assim um homem de cicatrizes ou se sou de deitar para fora
de vomitar o que me incomoda e por isso não ficar imprimido em minha tela as
marcas da vida…talvez pela educação ou exemplos dos meus pais, talvez pela
curiosidade de querer saber um pouco mais do que há, ou por medo, medo da
morte, medo de desfiguração que retrata outros.
Naquele
dia, naquela manha, enchi-me de coragem e coloquei a mochila aos ombros, depois coloquei uns ténis baratos que comprei nos
chineses com o meu ordenado de part-time que havia arranjado á um mês atras,
uns calções de supermercado e uma t-shirt velha que me deram no centro de sem
abrigos, só me queria pôr bem, voltar a ter orgulho em mim, sair dali, e desta
vez tinha que ser eu e só eu porque nem da esquerda nem da direita nem de cima
nem de baixo vinha ajuda ou alento, ao fim ao cabo já á muitos meses que os meus
pais nem ver me queriam.
O que mais me doía, è que pouco via ou falava
com o meu filho.
Não
é que o meu filho não me amasse ou não quisesse falar comigo, não é porque
tinha vergonha do que me havia tornado.
Sabia bem que tinha chegado a um estado que
mais baixo eu não poderia chegar, agora só tinha uma saída e era me levantar,
nada mais havia a perder, só se fosse a vida, e tinha uma bênção muito preciosa
que é de aproveitar pois muitos com atitudes mais pequenas do que aquelas que
tive, não tem, a Liberdade, o não estar atrás das grades, depois de tudo o que
fiz era lá que devia estar, ainda tenho pesadelos de coisas que fiz, muitas
vezes fui detido por infrações que nem me passam pela cabeça o fazer quando agora
limpo e sóbrio.
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Olá às vezes posso passar alguns dias sem vir ver o teu comentário mas venho frequeentemente, por isso assim que puder dou um feed back, tem coragem e bom animo...tu é capaz